quinta-feira, 29 de março de 2007

PROFISSÃO: PERIGO


Pra variar, estou enjuriada com a minha profissão. Claro, já estive mais, só que parece que me acostumei com as coisas erradas que eu vejo acontecerem. E é aí que mora o perigo. Quando eu me omito eu contribuo para a continuidade das mesmas coisas erradas que eu critico.

Bom, mas as coisas erradas: esse lance de progressão continuada, por exemplo, foi criado porque o índice de repetência e evasão escolar estava muito alto, o que provocava a exclusão do aluno da escola, e por extensão, da sociedade.

É bonitinho na teoria mas na prática, olha como a coisa é absurda: começaram a passar de ano todos os alunos, mesmo os que não tinham aprendido a ler e escrever na idade e séries correspondentes, porque, tadinhos ,os pobrezinhos vão ficar se sentindo excluídos e vão ficar traumatizados se não puderem acompanhar os colegas.

Resultado: alunos que chegam até o terceiro ano colegial sem saber ler e interpretar um texto; na escrita, confundindo "vaca" com "faca" e " e escrevendo "cebola" com "ç". Vão ficar traumatizados do mesmo jeito, coitados, com o mico que vão pagar ao preencher o formulário de emprego.

Eu mesma estou com dois alunos na 5a. série que não sabem ler e nem escrever NADA. Eu olho para esses dois lá e me sinto um lixo porque não tenho condições de atendê-los como eles precisariam ser atendidos. E o que eu faço? NADA. Afinal, são apenas dois alunos e eu preciso dar conta de mais 33, que dão muitíssimo trabalho, só faltam se pendurar no ventilador do teto. Isso numa sala minúscula. Sem falar que não me preparei na faculdade, claro, pra alfabetizar ninguém; fiz Letras, não Pedagogia. Mas me sinto tão culpada que vou até fazer um curso de professor alfabetizador, como o pescador que se sente culpado porque o mar estava bravo e ele não conseguiu pescar.

Mas Resumindo, o profissional esbarra na falta de condições de trabalho, nas dificílimas situações-problema em sala de aula, como essas e outras. Ele não consegue dar conta do recado, se sente culpado por isso, fica deprimido, começa a ficar doente, se afasta com licença médica, sendo portanto obrigado a faltar. Nisso chega o governo e colunistas de jornais elitistas como a Folha de SP dizendo que os professores, "descomprometidos com o seu dever", estão faltando demais ao trabalho. Diante dessa conclusão, o governo toma medidas urgentes e coersivas para evitar que isso aconteça: muda a política de licenças médicas, muda o sistema de falta-dia para somatória de faltas-aula, e outras belas mudanças.

Mas no principal, no buraco mais embaixo, ninguém tem coragem de enfiar o dedo - em nosso lindo sistema educacional, que permite que absurdos como a progressão continuada permaneçam em vigor. Isso porque eu não falei dos inúmeras mudanças que o governo entucha de cima para baixo na goela dos profissionais de educação , sem primeiro consultá-los; nas inúmeras vezes em que o professor é agredido por alunos na sala de aula, tanto verbalmente como às vezes fisicamente, e por aí vai.

E fecho com um típico dilema Tostines: é a excessiva falta de professores que provoca a má qualidade do sistema de ensino ou é má qualidade do sistema de ensino que provoca a falta excessiva dos professores?

Refletir não custa nada...

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