sexta-feira, 29 de maio de 2009


Amor - O Interminável Aprendizado

(Affonso Romano de Sant'Anna)

Criança, ele pensava: amor, coisa que os adultos sabem. Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um depois-adulto-aprendizado.Se enganava.Se enganava porque o aprendizado de amor não tem começo nem é privilégio aos adultos reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado.Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio dos luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sabia nunca, como ali já não se saciara.De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos.
Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um porto onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem, e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram.Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus, Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o amor.O amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava.Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.Absurdo. Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.Não era só a estória e as estórias do seu amor.
Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.Optou por aceitar a sua ignorância.Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.
Ilustração de Mário Mastrotti, feita especialmente para esse conto.

quinta-feira, 28 de maio de 2009


Mito e realidade


O trecho abaixo foi retirado de um livro de auto-ajuda que ensina mulheres a usarem a inteligência e não apenas se guiarem cegamente pelos sentimentos. Segundo os autores, usando a inteligência, ela poderá atrair relacionamentos mais duradouros.

Desculpe ter recorrido a um livro de auto-ajuda, mas achei que esse trecho tem tudo a ver comigo nesse momento. Sil, desculpe a falta de romantismo, mais uma vez.


Mito: Foi "amor" à primeira vista.
Realidade: Você estava carente. Todos temos dentro de nós espaços vazios que esperam ser preenchidos. Porém, nem todo recheio é bom para o seu coração.


Mito: Foi "amor" à primeira vista.
Realidade: Foi um impulso irresistível. Mesmo quando ele (ela) começou a revelar seu verdadeiro "eu", você fez questão de não ver, porque queria conservá-lo(a).


Mito: Foi "amor" à primeira vista.
Realidade: Foi conveniente. Você chegou àquele ponto da vida em que desejava muito encontrar um companheiro (a) e era ele(a) quem estava disponível.


Mito: Foi "amor" à primeira vista.
Realidade: Foi apropriado. Ele (a) tinha todas as credenciais (mas só isso). Seus pais estavam entusiamadíssimos (mas só se tratava da vida deles). Você precisa de um relacionamento, e não de um currículo.


Mito: Foi "amor" à primeira vista.
Realidade: Foi lagosta e champanhe. Ele(a) gastou uma fortuna no restaurante e você ficou deslumbrada. Teria sido mais fácil rachar a conta.


A MULHER INTELIGENTE SEMPRE MANTÉM PELO MENOS UM PÉ FIRMEMENTE APOIADO NO CHÃO.


Obs.: as palavrinhas em itálico, entre parênteses, fui eu que escrevi.


(Fonte: Steven Carter e Julia Sokol. In: Homens gostam de mulheres que gostam de si mesmas. Ed. Sextante)

quinta-feira, 7 de maio de 2009


As Aventuras de Frajola sem Piu-piu ou... água mole em pedra dura ou... um sonho de liberdade

(Título à escolha)


Vieram os dois: Pretusko e Frajola.

Pretusko, gato preto, que depois nós descobrimos que na verdade é um gato rajado disfarçado de preto. Frajola foi assim chamado por causa da semelhança com o gato do desenho, obviamente.

Pretusko ficou com a Sil, talvez para tentar preencher o espaço vazio deixado pelo meigo Bóris Gatão, o meu gato da Silvia mais amado.

O Frajola veio comigo. Fazer companhia para a minha mãe foi a desculpa que usei para o meu pai aceitá-lo. Desde o primeiro dia em que o vi já pensei: "esse vai me dar trabalho". A curiosidade típica dos gatos, nele toma proporções de leão.

Veio para a casa dos meus pais. Primeiro foi o portão, ou melhor, os portões da frente. Ele queria passear e explorar a rua de qualquer jeito. Pulou uma vez, fomos buscá-lo na casa de um vizinho da frente. De novo pulou o portão, mas desta vez o problema foi que ele simplesmente parou e sentou no meio da rua. Ficou lá olhando para o nada, como que encantado com a novidade do mundão que ele via infinito a sua frente. Mas o risco de atropelamento era latente. Alguém foi correndo e o resgatou antes que algum carro doido descesse a ladeira e transformasse o lindo filhote em uma doce lembrança. Nisso, o medo tomou conta de todos nós em casa e telas preencheram os portões para impedir que o bichano nos desse mais um susto.

Era evidente que ele não estava pronto.

Depois, veio o muro baixo que dá para o telhado do vizinho da esquerda. Subiu a primeira vez, passeou, cheirou o telhado, sentou e contemplou a visão de lá de cima. Mais uma vez o mundo se mostrava infinito e pronto para ser explorado. E nós, preocupados, pensávamos: "se ele for, ele volta". Beleza. Curiosíssimo para o nosso desespero, ele não resistiu e pulou para outro telhado e outro telhado e outro telhado. Ganhou a rua.

Eu não gostava da ideia de ele sair por aí, correndo risco de atropelamentos, de maus tratos daqueles que não entendem a alma felina. "Ele foi, mas ele volta", mais alguém comentou. " Se ele sabe ir, sabe voltar", outro completou. Pois é, o dia inteiro passou e nada dele aparecer. O desespero tomou conta de nós.

Saíram a minha mãe e o meu pai em seu encalço na rua. Alguém disse a minha mãe que ele estava escondido num boteco aqui perto.Meu pai chegou lá já em tempo de o dono do bar lhe dar uma paulada, com o intuito de expulsá-lo do estabelecimento. O bichano passara o dia inteiro escondido lá dentro, assustado, encolhido, com medo da rua e da ameaça das pauladas.

Meu pai o trouxe de volta para casa e telas preencheram o muro que dá para o telhado do vizinho da esquerda.

Ele ainda não estava pronto.

Depois veio o muro do vizinho do lado direito, que dá para a casa desse vizinho e para a laje da casa dos meus pais. Oh bichinho insistente!! A descoberta desse muro quase lhe custou a terceira vida, já que havia perdido as duas primeiras nas aventuras anteriores. O inquieto felino não se contentou em passear pelo muro do vizinho, passou para a varanda e pulou o muro do vizinho do vizinho. O problema é que nessa casa mora um cachorro com fama de trucidar qualquer outro animal desavisado que por infelicidade venha invadir seu território.

Mais uma operação de resgate foi montada porque mais uma vez percebemos que ele sabia ir, mas não sabia voltar. Depois de se assustar com os latidos da fera, ele, não sei como, foi parar no portão da frente da casa desse vizinho, uma parte que o cão anti-social não tem acesso porque fica preso no quintal, graças a Deus, e aí foi fácil puxá-lo para fora e trazê-lo de volta para casa. Nem preciso dizer: uma nova tela, meio improvisada, cobriu uma parte da passagem que dá para a casa do vizinho do lado direito.

Mais uma vez ele não estava pronto.

"Bom, agora se ele tentar escapar, não há o que fazer", dissemos todos. Mas sua inquietação felina não o deixava em paz. Mesmo com nós todos tentando protegê-lo dele mesmo, lá se foi em nova tentativa de ganhar o mundo. Assim , como verdadeiro gato-aranha, começou a escalar a tela do muro que dá para o telhado do vizinho do lado esquerdo, aquele da aventura que quase resultou em "atirei o pau no gato". Escalou e foi parar no telhado: "agora não tem mais o que fazer mesmo", concluímos. Ele saiu. Passeou pelo telhado, descobriu o passarinho da vizinha dentro da gaiola, e ficou um tempo encenando Frajola e Piu-piu. Passou para o telhado do outro vizinho, até sumir da nossa vista. deixamos ele ir. " Já que ele aprendeu a ir, então que aprenda a voltar', foi o meu comentário da vez.

Mais ou menos uma hora depois, ele estava de volta, sem que soubéssemos por onde havia retornado. Miou alto e esfregou-se nas nossas pernas, como a saber que éramos nós os seus verdadeiros amigos, talvez os únicos com os quais poderia contar sempre.

Finalmente ele estava pronto...

porque aprendeu que ser livre não é poder ir para onde quiser e fazer o que quiser; ser livre é ter consciência dos próprios limites; é saber até onde se pode chegar com a segurança de que todo o caminho foi devidamente sinalizado para saber retornar caso se queira ou se precise.

A verdadeira liberdade não é a do ir e vir, e sim a do SABER ir e vir.


PS.: Ele aprendeu ou fui eu que aprendi com ele?

sexta-feira, 1 de maio de 2009


"Disciplina é liberdade"

(Renato Russo)


Como é fácil errar o caminho! Como é fácil sair do eixo e se embrenhar em lugares de onde não se vai saber como voltar!

Como estamos maltratando os nossos jovens e as nossas crianças...

Será mesmo que sua rebeldia é questão de caráter?

Será que a forma como criamos os filhos não influi na maneira como eles passam a encarar o mundo?

Ou, sendo mais explícita, a forma como criamos os filhos não pode fazer com que eles se voltem contra nós ou a nosso favor futuramente?

Será que estamos criando futuros adultos críticos, independentes e capazes de se reerguer das derrotas da vida?

Que espécie de caminho estamos mostrando aos nossos jovens para que eles trilhem?

Ou será que sou ingênua em questionar tudo isso?


" E há tempos são os jovens que adoecem..." (Renato Russo)