domingo, 29 de julho de 2007

E por falar em falta de sintonia...

Ana Carolina - Carvão

Surgiu como um clarão
Um raio me cortando a escuridão
E veio me puxando pela mão
Por onde não imaginei seguir
Me fez sentir tão bem, como ninguém
E eu fui me enganando sem sentir
E fui abrindo portas sem sair
Sonhando às cegas, sem dormir
Não sei quem é você


O amor em seu carvão
Foi me queimando em brasa no colchão
E me partiu em tantas pelo chão
Me colocou diante de um leão
O amor me consumiu, depois sumiu
E eu até perguntei, mas ninguém viu
E fui fechando o rosto sem sentir
E mesmo atenta, sem me distrair
Não sei quem é você

No espelho da ilusão
Se retocou pra outra traição
Tentou abrir as flores do perdão
Mas bati minha raiva no portão
E não mais me procure sem razão
Me deixe aqui e solta a minha mão
E fui flechando o tempo, sem chover
Fui fechando os meus olhos, pra esquecer
Quem é você?

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Este recesso tá rendendo...


Olha o que a falta do que fazer causa na gente! Vasculhando as minhas coisas velhas, papeladas, livros e afins, encontrei um caderno velho, de uns dez anos atrás, em que eu anotava coisas da minha vida, impressões e opiniões sobre o mundo ao meu redor, mais ou menos o que faço nesse blog hoje. Lá eu encontrei uns poeminhas; uma carta de amor que eu nunca enviei e não lembro mais pra quem escrevi; e um texto. Esse texto, escrito por mim em novembro de 97, me chamou a atenção. Como eu tinha uma imaginação fértil.

Tinha eu na época, 21 anos. Nem pensava em fazer Letras na USP, não sabia direito que carreira queria seguir ou se iria seguir alguma carreira. Trabalhava numa loja de doces no mesmo bairro onde ainda moro, mas sonhava com coisas maiores, bem maiores...

Bom, o texto fala sobre poesia, mas não é um poema. Eu tinha o hábito de escrever poemas desde os doze anos e tinha um caderno em que todos eles estavam registrados. É sobre esse caderno que eu falo no texto, mas, acima de tudo, é sobre poesia e sobre sua importância em nossa vida que eu escrevo.

Queria registrá-lo aqui, com os erros de português que cometia na época. Modéstia à parte, não eram muitos. (RS)


"Até hoje não sei se o que escrevo, às vezes, é poesia ou não, gosto de acreditar que seja, gosto de mostrar aos outros, mesmo que para os outros mostrar ou não mostrar não faça muita diferença. Às vezes fico pensando no que Vinícius de Moraes diria se lesse o meu caderno de poesias pessoais. Daria risada, será? Me daria uns toques, me diria que não tenho talento nenhum ou simplismente usaria os meus "trabalhos" para limpar o traseiro quando fosse soltar uns barros? Ou será que os acharia tão bons a ponto de plagiá-los ou publicá-los como se fossem seus, já que eu não tenho registro algum de direitos autorais?

Gosto de pensar nos meus escritos como se fossem comparáveis a grandes obras de grandes poetas brasileiros. É gozado. Já cheguei até a pensar numa outra situação: se de repente o mundo acabasse e grande maioria da população mundial fosse dizimada da Terra, todos os livros de todos os autores, poetas, escritores se perdesse para sempre e o mundo ficasse sem registros escritos. Então, num futuro meio deistante, os descendentes dos poucos sobreviventes que restariam formariam uma nova nação, e esta nova nação formaria novas gerações, até que o mundo voltasse a ficar totalmente povoado de novo. E, num ano qualquer do futuro, um grupo de escavadores e arqueólogos, em busca de fósseis e objetos que se perderam com o apocalipse, num dia claro de sol, fazendo suas pesquisas sobre o passado pré-histórico da Terra ( o nosso presente de agora) descobririam um importante achado: uma amontoado de papéis amarelados formando o que um dia já foi uma espécie de caderno pré-histórico, com um monte de rabiscos incompreensíveis. Ficariam maravilhados com a descoberta, achando que certamente fizeram a descoberta mais importante da história da arqueologia pós-apocalíptica. Convocariam toda a imprensa para divulgar o achado; colecionadores de antiguidades do mundo inteiro viriam na tentativa de comprar os manuscritos oferecendo milhões por eles; especialistas em decirar códigos viriam na tentativa de descobrir o significado daquelas palavras incompreensíveis.

Mas, somente um velho, por sinal o último descendente do povo "Brasiliano" no mundo, apareceria do nada e decifraria o enigma daquele monte de palavras: ele leria, traduziria para o mundo inteiro e chegaria a seguinte conclusão: "esta é a língua dos meus antepassados e estas palavras são simplesmente POESIA. Foram escritas por uma mulher, certamente muito jovem. Pela ingenuidade das palavras, e pela angústia que elas passam, são próprias de quem ainda é muito jovem".

O Velho Sábio se retiraria e desapareceria do mesmo modo como apareceu e deixaria todo mundo com um ponto de interrogação na cabeça. Ninguém saberia explicar por não saber o que é poesia. Demoraria ainda muito tempo até que se percebesse que a poesia daqueles escritos antigos era a poesia que existia dentro deles mesmos o tempo todo, porque todo homem é poeta por natureza mesmo que não saiba ser, somente pelo fato de ter sentimentos.

E então a poesia brotaria aos montes no coração de todos e todos colocariam seus versos para fora. Talentos contidos apareceriam e fariam sucesso com suas poesias; descobririam-se descendentes de poetas da era pré-apocalíptica e aqueles que já sabiam da existência da poesia há muito tempo mas não tinham coragem nem oportunidade de se expressar com seus trabalhos desprezados e incompreendidos pela sociedade teriam então o seu valor.

E tudo isso se deveria a um punhado de manuscritos velhos que seriam vendidos a um multi-milionário colcionador a preço de ouro ou doados para um grande museu histórico. O dia de sua descoberta seria o feriado mundial para a comemoração do Dia da Poesia.

Nem preciso falar que tais escritos são as poesias do meu caderno de poesias pessoais, né? Chega a ser até engraçada a minha imaginação.

Minhas poesias podem não ter aquelas estruturas que muitos poetas usam; as rimas podem ser pobres, as frases mal colocadas, talvez, mas eu gosto de pensar nelas como uma obra de arte, simplesmente pela sensação que me dão quando as escrevo: às vezes de dor, de alegria, de alívio, de poder, enfim, de ser um 'ser alguém' ". (Patricia, 30/11/97)


Nossa, juro que eu nunca usei drogas pesadas e, portanto, não estava sob o efeito de nenhuma delas quando escrevi isso... Imaginação fértil e lunática. Acho que não mudei muito desde então. Continuo sendo meio lunática, como só os românticos conseguem ser...

Ah, o caderno de poemas, esse há anos que eu não sei mais por onde anda. Já procurei em todos os cantos e não encontrei. De repente, já está até enterrado para ser encontrado pela posteridade pós-apocalíptica...

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Até quando?


Estamos nós aqui direto do país em que se arrasta criancinhas penduradas do lado de fora do carro por vários quilômetros de distância e depois se esquece de tudo caindo na farra carnavalesca; direto do país que luta numa verdadeira guerra contra o tráfico, mas que esquece de tudo para catarticamente torcer pela vitória do Brasil nos jogos panamericanos (aliás, repararam como a mídia parou de noticiar qualquer tipo de violência no Rio desde mais ou menos uma semana antes do início dos Jogos? É como se a cidade de repente, do nada, se tornasse a mais linda e segura do Brasil).

Estamos aqui direto do país que peca pela omissão, pela negligência, pela falta de memória coletiva. Menos de dez meses depois de um acidente aéreo que matou 154 pessoas e causou uma crise no sistema de aviação brasileira que dura até hoje, acontece mais um , o maior deles, em São Paulo, acidente que além de não ter deixado sobreviventes entre os 180 ocupantes do avião, ainda matou gente em terra.

Assusta sim, porque aconteceu bem aqui na porta de casa, por assim dizer. Mas o que assusta mais é saber que essas pessoas morreram de morte que podia ter sido evitada, porque já se sabia que a pista do aeroporto de Congonhas não era lá muito confiável em dia de chuva e não se fez nada de realmente concreto pra resolver o problema. Omissão, negligência. Um dia antes, um avião derrapou na pista, e outros mais já haviam derrapado antes, em dias e anos anteriores, como que já antecipando que algo pior poderia acontecer. E não se fez nada.

Agora, como é de se esperar, ficamos pensando nas pessoas que perderam parentes e amigos nesse acidente: pais e mães que perderam os filhos ou filhas; filhos que perderam pais; amigos que perderam amigos, enfim...

E também tô pensando no que pensaram as pessoas do avião e do prédio em que ele se chocou quando perceberam que iriam morrer: será que perceberam mesmo? Será que a gente tá preparado pra morte quando ela vem pra gente? Será que essas pessoas sofreram pra morrer ou nem sentiram? Será que a gente vai continuar passando por essas situações absurdas, de falta de segurança no ir e vir em todos os sentidos; de falta de condições de vida digna com emprego e moradia pra todo mundo? Vamos continuar vivendo com um dos piores níveis de qualidade educacional do mundo, com a corrupção que assola o serviço público e privado em todo país de maneira ridícula? E vamos continuar não fazendo nada, assistindo a tudo como um bando de alienados?

Tanta coisa passou pela minha cabeça essa noite que até perdi o sono... acordei pensando em tudo isso e no que eu poderia fazer pra não ser mais uma alienada, mais uma desmemoriada. Acho que de certa forma já estou fazendo, ou tentando humildemente fazer quando exerço a minha função de professora e educadora na escola pública em que trabalho. Entendo que o meu papel é o de buscar fazer com que esses adolescentes adquiram a consciência crítica que todo cidadão precisa ter para viver de maneira ativa em sociedade. É uma missão difícil, mas faz parte da minha função. É o que vou procurar fazer, da maneira mais honesta possível.

Cada um tem que buscar a sua forma de se revoltar contra tudo isso que acontece de baixo dos nossos narizes sem que aparentemente possamos fazer nada para mudar. O que a gente não pode é continuar esperando que situações absurdas gerem sofrimentos irreversíveis como esse e outros.


E pensar que pessoas vivas e saudáveis de repente tornam-se apenas lembranças...


terça-feira, 17 de julho de 2007

Amor, de novo...


"Falta assunto, falta acesso..." Como sempre, não falta assunto, falta jeito pra escrever. Tem tanta coisa que queria escrever mas que acho que não posso nem devo.

Mas fiquei pensando num assunto: uma amiga minha anda questionando sobre o que é o amor. Fala com a autoridade de quem viveu um monte de amores platônicos, amores arrebatadores e agora que convive com o homem que ama ela tá sentindo que o amor também dói... o amor também é conflito, no pior sentido da palavra. Se o amor vencer esses conflitos, a tendência é que fique mais forte. Acho, porque às vezes o conflito vence o amor...

Também passei a me perguntar sobre o que é esse sentimento, principalmente depois que terminei um relacionamento de cinco anos e pouco. Depois que vi um relacionamento passar das flores ao tédio mais profundo em cinco anos, passei a questionar todos os casais que eu via juntos por mais de dez anos: "o que é que faz um casal passar tanto tempo junto sem morrer de tédio?" Geralmente me respondem coisas do tipo: tolerância, paciência, etc..

Tá mas o que é o amor? Tô descobrindo que o tal sentimento tem diversas facetas, diversas formas de acontecer, seja de maneira arrebatadora, cruel; seja de maneira tranqüila, serena.

Descobri que você não precisa estar loucamente apaixonada por uma pessoa pra poder se sentir bem com ela e com isso curtir os momentos ao seu lado. Mas também descobri o quanto o sentimento arrebatador faz falta pra fazer um relacionamento ir realmente adiante. Aquele sentimento que faz você mover montanhas, enfrentar obstáculos intransponíveis, sentir as benditas borboletas no estômago voando e fazendo festa. A famosa paixão.

Se ela não existir, não tem como haver algo mais... e ela, caprichosa, só vem quando quer... e com quem quer... do jeito que quer... Quase sempre vem deixando um dos lados em desvantagem... Sim, é difícil que haja a sintonia entre os dois lados envolvidos.

E quando finalmente existe a tal sintonia, é bem possível que alguma coisa acabe atrapalhando, tipo... distância geográfica.

Mas tudo bem, a gente continua na "heróica e mesopotâmica" (como diz o Macaco Simão) busca pelo tal do amor verdadeiro, que continuo sem saber ao certo o que é.


Além do mais, se não houvesse a falta de sintonia e outros probleminhas mais, os poetas iriam ficar sem pelo menos cinqüenta por cento da sua matéria prima e os compositores de música romântica brega, sem uns noventa e nove vírgula nove por cento.


E viva a dor -de-cotovelo! (Leia-se: ria de sua própria desgraça antes que alguém faça isso antes de você!)

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Liberdade, Liberdade...


" A gente tem que aprender a ler que é pra não acreditar mais em tudo que é mentira que contam pra gente"

Palavras proferidas por um aluno da 4a. série do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos em seu discurso de orador da turma, na colação de grau ocorrida dia 05/07/07.

Detalhe: trata-se não de um aluno qualquer, mas de um senhor de 72 anos, que resolveu aprender a ler e escrever depois de já idoso. Setenta e dois anos de corpo, uns vinte de alma, com certeza.


Não era por nada que a inquisição queimava livros em praça pública, não era à toa que a repressão militar escondia livros e prendia, torturava ou exilava quem tinha domínio do conhecimento.

Ler significa conquistar a Liberdade, com letra maiúscula mesmo, porque estamos falando no sentido mais puro de liberdade que existe. Liberdade de pensar por si próprio, de dar asas à imaginação, a criatividade, Liberdade de comparar, dissociar ou associar, Liberdade de opinar. Tudo isso é perigosíssimo para os nossos governantes. Pode parecer que o poder está com eles, mas eles têm muito mais medo de nós, que somos o povo. Medo de que o povo se instrua e passe a ter domínio do conhecimento como eles têm.

Por isso massacram a escola, massacram o aluno, massacram o professor, principalmente o professor.


Pude ver o brilho nos olhos do professor daquele aluno de 72 anos que citei acima, no momento em que o mesmo fazia, ou melhor, lia o seu discurso de orador da turma da quarta série: um brilho vitorioso, de quem sabe que faz um trabalho de formiguinha, trabalho difícil que encontra os obstáculos da falta de recursos e condições dignas de trabalho e salário, mas que trazem, uma vez ou outra, resultados como esse, fazer com que o seu aluno passe a caminhar livre das viseiras que as situações por vezes perversas da vida nos colocam.

Esse professor estava sentado ao meu lado na mesa, e um pouco do orgulho que ele sentia passou para mim também. E aí pude perceber: é em momentos como esse que a gente entende porque se escolheu ser professor ou professora na vida.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Em recesso...


Férias, ou melhor, recesso. Depois do casamento da minha irmã, um balanço das contas, que por sinal estão no vermelho. Mas acho que estão mais no vermelho por causa das minhas constantes escapadas, constantes mesmo. Pra recuperar o caixa, vou ter que dar uns pulinhos por aí. Quem sabe, se conseguir, voltar a dar as minhas aulas de Literatura no cursinho comunitário, trabalho quase voluntário. Mas não é só por causa da grana que quero voltar, até porque a grana é sombólica, é mais porque tô com saudade mesmo das aulas. Porque saí, se gostava? Me sentia cansada, frustrada com o outro emprego, um desgaste mental horrível numa escola horrível, com uma diretora horrível. Não queria mais ver aula nem escola na minha frente.

Mas agora sinto falta do cursinho. Poucas vezes me senti tão viva como professora quanto me sentia lá. Dava aula com paixão e podia sentir que os alunos de alguma forma se contagiavam com a minha paixão. Me sentia professora, de fato, não uma mera reprodutora de sistemas político-educacionais ineficazes, que é como me sinto sendo professora na prefeitura.

Pois é, preciso dar os meus pulinhos, sim, senão não faço a viagem que quero fazer nas férias do fim do ano.

Resolvi nesse recesso, além de dormir, ler algum livro, não por obrigação, como acabou se tornando muito freqüente depois que entrei na faculdade, mas por mero prazer mesmo. Olhei na biblioteca da escola e achei um livro de contos da Clarice Lispector. Me lembrei que dela eu só tinha lido mesmo a Hora da Estrela, e resolvi tomar vergonha na cara e conhecer melhor a mulher, já que ela é uma das melhores escritoras do século XX.

Eu não sei se é só eu que tive essa impressão, mas ler Clarice Lispector dá uma angústia fora do normal. Quem tá acostumado com narrativas centradas na ação, cai do cavalo quando lê Clarice. A mulher escreve pra dentro, meu Deus, e em câmera lenta. Genial, claro. Ela, através de um poder narrativo extraordinário, consegue mostrar a consciência da consciência das suas personagens. Tensão psicológica profunda, que angustia mesmo.

Entender o que ela escreve é um verdadeiro desafio. Mas tá certo: boa literatura pra mim é aquela que desafia a minha inteligência, deixa dúvidas e nunca respostas prontas. E Clarice consegue fazer isso direitinho.

Mas ainda não li o livro inteiro. São poucos contos com diálogos e ação de fato. Mas um dos mais legais e aparentemente fáceis de entender (acho que só aparentemente, mesmo) é esse que quero colocar aqui. É curtinho, mas profundo, mostra um pouco da matéria que a autora mais explorava quando escrevia, a alma humana.


ANIVERSÁRIO

- Amanhã faço dez anos. Vou aproveitar bem este meu último dia de nove anos.
Pausa, tristeza:
- Mamãe, minha alma não tem dez anos.
- Quanto tem?
- Só uns oito.
- Não faz mal, é assim mesmo.
-Mas eu acho que se devia contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma. Mas o cara tinha morrido mas era com setenta anos de corpo.

(Clarice Lispector, In: Os melhores contos de Clarice Lispector, Editora global, 1996)


Tô com trinta e um anos de corpo, mas quantos anos será que tenho de alma?

Talvez eu descubra até o final desse recesso.


sexta-feira, 6 de julho de 2007

O casamento da minha irmã caçula - último capítulo


Finalmente tô com tempo pra escrever aqui e dizer um pouco de como foi o casamento da minha irmãzinha caçula linda.

Vestidos alugados, parentes chegando para se arrumar em casa, ansiedade a mil...

Finalmente a bomba-relógio explodiu, mas entre mortos e feridos, todos sobreviveram.

Na quinta-feira, dia anterior ao casamento, houve um pequeno arranca-rabo entre minhas irmãs e os organizadores do bifê. Eles tinham combinado conosco que viriam em certo horário para ver o salão da festa, mas chegaram com três horas de atraso. Minhas irmãs ligaram pro celular deles, pra casa deles, até pra mãe de um deles pra ver se conseguia achá-los.

Quando a gente já estava pensando que minha irmã havia tomado um calote, eis que a campanhia toca e aparecem os margaridos na porta. Minha irmã caçula desceu já chorando, acho que mais de alívio que de raiva; a do meio desceu xingando, com aquele jeitinho delicado que só ela tem. O meu pai desceu em seguida. Ficaram as minhas irmãs discutindo com eles e meu pai tentando pôr panos quentes. Tadinho, ele é da paz.

Mas, enfim, tudo se resolveu e no dia seguinte seria o casamento.

Fazia já uns quinze dias que o sol brilhava lindo no céu e nós todos pensávamos: nossa, o tempo vai estar bom no dia do casamento deles! Amanheci o dia com a ponta do nariz gelada: mal sinal. Botei a cara pra fora de casa e vi que a terra da garoa estava fazendo juz ao seu famoso epíteto naquele momento.

Um frio terrível, infelizmente, não só na barriga.

E pra colocar o vestido? Um tecido frio que só gelo. Mas acho que valeu a pena, porque saí do meu contexto. Nem eu me reconheci. O sapato de salto alto ficou tão perfeito em mim que eu até esqueci que o estava usando. Entrei como madrinha ao lado do meu vizinho, elegante e cavalheiro como poucos hoje em dia.

Minha irmãzinha ficou linda de noiva! Era difícil de acreditar que estávamos vendo aquele momento acontecer. Mesmo eu, que costumo ser indiferente quando o assunto é casamento-noiva-vestido-de-noiva, fiquei embasbacada quando a vi.

Todos nós, padrinhos, esperando pra entrar e me bateu um cagaço fora de hora: não sabia se estava tremendo de frio ou de nervosismo. Bateu um medo de sei lá o que, e quem pagou o pato foi o DJ responsável pela trilha sonora que nós três havíamos escolhido. Escolhemos duas músicas para entrada de padrinhos e pais, uma para o noivo, uma para a noiva e duas para os cumprimentos e a saída. Comecei a ficar meio neurótica, achando que o DJ estava trocando a ordem das músicas. Acenei umas duas vezes quase gritando: "Não é essa música agora!". Mas era.

E deu tudo certo. Meu pai entrou com ela no braço, o queixo tremendo, tentando controlar a emoção. Minha mãe lá, com o nariz vermelho, quase explodindo. Aquele bando de gente, entre padrinhos, noivos e pais pra colocar a assinatura num espaço pequenininho dentro do livro. Cumprimentos, palmas.

A festa. Apesar do estresse do dia anterior com o pessoal do bifê, a decoração e o jantar estavam perfeitos, ou quase perfeitos. Todos eles pisando em ovos por causa da minha irmã do meio, que é dura na queda. Todo e qualquer probleminha era com ela que iam falar, para se justificar talvez.

Os convidados: vizinhos, amigos, gente que eu nunca vi na vida, parentes próximos e distantes. Entre esses últimos, uma única representante dos meus tios do lado do meu pai, a única que pela disponibilidade poderia não aparecer na festa, por ter uma filha adolescente com síndrome de down que dá bastante trabalho. Mas por consideração ao meu pai, saiu de lá do interior, deixou a filha com a outra filha já casada e veio ver o casamento. Os parentes dele daqui de perto, bom, melhor não comentar.

Ademais, aquelas coisas clássicas que acontecem numa festa de casamento: o momento de jogar o buquê, em que sempre duas moças solteiras acabam disputando o ramalhete quase a tapas; os tios e primos mais gulosos escondendo salgadinho e brigadeiro no bolso pra comer em casa; fotos, milhares de fotos. E por falar em fotos, o vídeo com as fotos foi um sucesso. Tanto que minha irmã recebeu um convite do DJ para fazer vídeos para outros casamentos, recebendo em pecúnia, claro.

No final, emoção na despedida dos noivos, que viajariam no dia seguinte em lua-de-mel.

Graças a Deus. Acabou. Ou melhor, começou, uma nova fase para eles e para nós também.

E fomos todos felizes para sempre...