quinta-feira, 12 de julho de 2007

Em recesso...


Férias, ou melhor, recesso. Depois do casamento da minha irmã, um balanço das contas, que por sinal estão no vermelho. Mas acho que estão mais no vermelho por causa das minhas constantes escapadas, constantes mesmo. Pra recuperar o caixa, vou ter que dar uns pulinhos por aí. Quem sabe, se conseguir, voltar a dar as minhas aulas de Literatura no cursinho comunitário, trabalho quase voluntário. Mas não é só por causa da grana que quero voltar, até porque a grana é sombólica, é mais porque tô com saudade mesmo das aulas. Porque saí, se gostava? Me sentia cansada, frustrada com o outro emprego, um desgaste mental horrível numa escola horrível, com uma diretora horrível. Não queria mais ver aula nem escola na minha frente.

Mas agora sinto falta do cursinho. Poucas vezes me senti tão viva como professora quanto me sentia lá. Dava aula com paixão e podia sentir que os alunos de alguma forma se contagiavam com a minha paixão. Me sentia professora, de fato, não uma mera reprodutora de sistemas político-educacionais ineficazes, que é como me sinto sendo professora na prefeitura.

Pois é, preciso dar os meus pulinhos, sim, senão não faço a viagem que quero fazer nas férias do fim do ano.

Resolvi nesse recesso, além de dormir, ler algum livro, não por obrigação, como acabou se tornando muito freqüente depois que entrei na faculdade, mas por mero prazer mesmo. Olhei na biblioteca da escola e achei um livro de contos da Clarice Lispector. Me lembrei que dela eu só tinha lido mesmo a Hora da Estrela, e resolvi tomar vergonha na cara e conhecer melhor a mulher, já que ela é uma das melhores escritoras do século XX.

Eu não sei se é só eu que tive essa impressão, mas ler Clarice Lispector dá uma angústia fora do normal. Quem tá acostumado com narrativas centradas na ação, cai do cavalo quando lê Clarice. A mulher escreve pra dentro, meu Deus, e em câmera lenta. Genial, claro. Ela, através de um poder narrativo extraordinário, consegue mostrar a consciência da consciência das suas personagens. Tensão psicológica profunda, que angustia mesmo.

Entender o que ela escreve é um verdadeiro desafio. Mas tá certo: boa literatura pra mim é aquela que desafia a minha inteligência, deixa dúvidas e nunca respostas prontas. E Clarice consegue fazer isso direitinho.

Mas ainda não li o livro inteiro. São poucos contos com diálogos e ação de fato. Mas um dos mais legais e aparentemente fáceis de entender (acho que só aparentemente, mesmo) é esse que quero colocar aqui. É curtinho, mas profundo, mostra um pouco da matéria que a autora mais explorava quando escrevia, a alma humana.


ANIVERSÁRIO

- Amanhã faço dez anos. Vou aproveitar bem este meu último dia de nove anos.
Pausa, tristeza:
- Mamãe, minha alma não tem dez anos.
- Quanto tem?
- Só uns oito.
- Não faz mal, é assim mesmo.
-Mas eu acho que se devia contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma. Mas o cara tinha morrido mas era com setenta anos de corpo.

(Clarice Lispector, In: Os melhores contos de Clarice Lispector, Editora global, 1996)


Tô com trinta e um anos de corpo, mas quantos anos será que tenho de alma?

Talvez eu descubra até o final desse recesso.


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