A CARONA
Ao seu lado no banco do passageiro, eu sentia que alguma coisa estava diferente. Dirigia com certo nervosismo. De vez em quando olhava de canto de olho. Rapidamente. Sua mão direita no câmbio, dedos longos que eu tanto admirava, trocava as marchas de forma quase frenética. Estranho.
Eu fingia não perceber, olhava quase distraidamente o caminho de todos os dias lá fora - os mesmos anônimos passantes, os mesmos anônimos veículos trafegando, o cheiro da poluição, sempre aos som de uma mpb no rádio do carro.
Um erro na mudança da marcha, o barulho engasgado do câmbio e eu observava o aumento do seu suposto nervosismo. Nenhuma palavra durante o trajeto, apenas um comentário sobre o trânsito, pesado àquela hora de pico. Sinal vermelho, verde, uma arrancada – pouco usual conhecendo seu jeito cuidadoso de dirigir.
Ao passar por uma curva, novo erro na troca de marcha. Não, engano meu! Começa a diminuir a marcha! Quinta, quarta, terceira. Seta que se liga. E coração que dispara. Sua mão direita começa a tremer mais ainda e o seu olhar nervoso a encontrar o meu olhar assustado com mais freqüência.
Fechou o carro que vinha ao lado com a mudança brusca de pista. Motorista do outro carro que buzina e xinga.
Mas já não havia mais ninguém ao nosso redor...
O carro entra por uma porta de garagem familiar, porque passamos todos os dias em frente. Quando paramos ao lado do guichê e a voz por trás do vidro fumê pergunta: “qual quarto, por favor?” , me dou conta de onde estamos. Aquilo, decididamente, não podia estar acontecendo.
Ou podia?
Antes mesmo que eu pudesse protestar ou perguntar alguma coisa, lançou um olhar desta vez firme e longo, o qual não pude deixar de retribuir, magneticamente.
De impacto, dirigiu-me uma única frase:
- Eu sei que você quer o mesmo que eu!
Não, aquela definitivamente não seria uma carona como as outras...
(Patricia – Outubro de 2005)
Um comentário:
Interessante, muito interessante...
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