terça-feira, 14 de agosto de 2007

Cigarra ou formiga?


Eu sei que a Rede Globo é manipuladora, quase sempre distorce as notícias que transmite e bla bla bla. Mas, de vez em quando, pelo menos o show da vida dá uma dentro. As séries de reportagem que o Fantástico transmite até trazem informações que acrescentam em algo. Gostei muito da série "Ser ou não ser", por exemplo, em que uma filósofa falava dos grandes pensadores da história, associando as idéias deles às questões da nossa realidade atual.

No último domingo, o fantástico estreou uma nova série: "O valor do amanhã", apresentado por um economista que também é filósofo (tudo a ver, é como associar Letras a Contabilidade, por exemplo). Não lembro o nome dele agora. Mas a grande questão que se coloca de início é: o que é melhor: viver agora e pagar depois ou pagar agora e viver depois?

Pra ficar fácil, é só pensar na fábula da Cigarra e da Formiga, que todo mundo já conhece. A formiga é aquela que trabalha todo o verão estocando comida pra os apertos do inverno, a cigarra é aquela que passa o verão inteiro cantando, curtindo a vida e quando chega o inverno, faminta, vai bater na porta da formiga procurando abrigo e comida. A fábula traz a mensagem do trabalho árduo que tem como sonseqüencia o futuro confortável e da "vadiagem" que tem como conseqüência os apertos futuros.

A série do Fantástico vai mais ou menos pelo mesmo caminho, se dirigindo ao telespectador como se perguntasse: na vida, você é cigarra ou formiga?

Como tô com preguiça de ficar escrevendo, vou colocar o texto da reportagem na íntegra abaixo. quem quiser, pode acessar o site da globo.com e assistir à reportagem inteira.





Você é o tipo de pessoa que prefere viver dez anos a mil ou mil anos a dez? Gasta dinheiro sem pensar no dia de amanhã ou trata cada centavo com o maior cuidado? O valor do amanhã: uma série que vai nos ajudar a resolver a eterna disputa entre presente e futuro na vida da gente.
Conta a Bíblia que, ao criar o universo, Deus gerou um ser à sua imagem e semelhança, um ser diferente de todos os outros, capaz de decidir, por si próprio, o seu destino. Macho e fêmea ele os criou.
No paraíso, Adão e Eva viviam sem preocupações ou temores. Tudo era paz, harmonia, beleza, fartura. A vida era leve como o ar, suave como a água, aconchegante como a terra. Mas, ao dar a Adão e Eva o Jardim das Delícias, Deus deu-lhes também uma proibição: “Comereis de todas as árvores, mas da árvore do conhecimento não comereis”, ele disse.
Um dia, a serpente encontrou Eva a sós, no Paraíso. E ofereceu-lhe o fruto proibido. “Se comeres, seus olhos se abrirão para todo o bem, para todo mal”, ela disse.
Eva não resiste à tentação. Morde o fruto e o oferece a Adão. Como um raio, a fúria divina desaba sobre o primeiro casal. Expulsos do Paraíso, Adão e Eva se descobrem mortais. Ao invés dos Jardins das Delícias, o trabalho sem trégua, o procriar aflito, o tormento da culpa. E assim nasceu a maior conta de juros de que se tem registro na história da criação.
A trama da vida é um grande mistério. Por quantos anos vamos viver? E como será o amanhã? O que é melhor: desfrutar o momento ou cuidar do futuro? Isso agora ou aquilo depois?
Dilemas como esses aparecem o tempo todo. O que comer? Como cuidar da nossa saúde, do nosso dinheiro? Qual a melhor carreira a seguir...
De um lado, estão os nossos sonhos e desejos. De outro, as nossas possibilidades e limites.
Nesta série de dez programas, vamos falar desse jogo entre presente e futuro. Um jogo que recomeça todos os dias e que, mesmo sem perceber, a vida nos obriga todos os dias a jogar. Tudo o que está vivo ocupa um lugar no espaço. No espaço, é possível se deslocar. Difícil ou arriscado, é só uma questão de habilidade e de técnica.
Com o tempo é diferente. Os ponteiros do relógio giram imitando o movimento circular do sol. Mas o tempo não roda, ele avança. É sempre um dia depois do outro, um dia de cada vez.
À nossa frente, o que existe é o amanhã com as suas muitas possibilidades. Mas quem sabe ao certo o que vai ser o futuro?
A única coisa segura é que a vida é breve e tem um fim. Só não sabemos quando. Então, é viver mais um dia pelo tempo que for possível e cuidar do amanhã.
É aí que começam as negociações para fazer do tempo um aliado, e não um inimigo.
“A minha mãe é um pessoa muito exigente, cobra muito do estudo. Tem que estudar se não eu não vou ser alguém na vida”, diz a estudante Gabriela dos Santos.
“Com 14 anos eu já tinha registro. Então, tempo para brincar eu não tinha”, conta a porteira Gislene Souza.
“Tudo que ela não fez, ela quer que gente faça, porque eu acho que ela não teve oportunidade que nem a gente está tendo”, acredita Gabriela.
“Eu quero que ela levante de manhã cedo e ela já saiba o que ela tem que fazer, as obrigações dela”, comenta Gislene, mãe de Gabriela.
“Curso de espanhol, de alemão, de umas coisas que eu nem sei o que são”, diz Gabriela.
No fundo, existem duas possibilidades. Uma é a posição credora, em que o custo vem antes e o benefício depois. A mãe da Gabriela quer que ela assuma uma posição credora na vida. Sacrifícios agora, vida melhor depois.
Na posição devedora, o benefício é aqui e agora, mas o custo vem depois.
A Gabriela quer aproveitar a vida já, mas isto custará caro amanhã.
“a única coisa que ela tem vontade é de dançar e ouvir música”, diz Gislene.
“Acontece muito de eu estar estudante e ficar pensando que eu queria estar em um lugar ou eu outro que não fosse o que eu estou”, conta Gabriela.
Se eu resolvo parar de estudar porque quero me divertir; ou deixar de fumar porque quero viver mais anos. Se resolvo aprender chinês porque dizem que essa vai ser a língua do futuro, eu estou interferindo na seqüência dos acontecimentos na esperança de os meus projetos virem realidade.
Viver agora e pagar depois ou pagar agora e viver depois? O que escolher?
“Eu acho que ter aquele negócio controlado, se puder reservar um pouquinho é bom. A vida no campo é uma vida boa. Nunca fiz um empréstimo. Sempre na luta, a gente dá um jeitinho na roça, trabalha, vende o gado e dá um jeitinho”, diz o agricultor José Alvarenga.
As trocas do tempo acompanham nossa trajetória no mundo. Mas não apenas a nossa. Também os animais e, até mesmo as plantas, fazem suas trocas entre o aqui e agora e o futuro. Também eles procuram a melhor maneira de sobreviver e garantir a continuidade da espécie.
Da maria sem-vergonha ao jacarandá secular, da borboleta ao jabuti. Todos os seres vivos têm um ciclo de vida e um futuro a zelar. E todos eles desenvolvem mecanismos de realizar trocas no tempo.
Veja o que acontece, por exemplo, no reino vegetal. Numa floresta há sol e chuva durante todo o ano e a vegetação tem seu sustento garantido.
Mas e onde a natureza é menos generosa e os invernos são rigorosos, com grandes variações de calor, luz e chuvas?
“A primeira coisa que as árvores precisam saber é que o inverno está chegando. E elas percebem isso porque os dias vão ficando cada vez mais curtos. Quando isso ocorre, elas começam a tomar as medidas necessárias para atravessar o inverno. A principal medida delas é desativar as folhas. Elas vão nas folhas e retiram todos os nutrientes das folhas e estocam esses nutrientes em trocos. A retirada desses nutrientes fazem as folhas ficarem amarelas e no fim elas caem e morrem. Os nutrientes garantem que a árvore sobreviva a toda o inverno. Quando chega a primavera, as árvores remobilizam esses nutrientes e usam esses nutrientes, essa comida, essa poupança que eles fizeram durante o ano anterior, para lançar novas folhas”, explica o botânico Fernando Reinach.
Assim como acontece com cada um de nós, na natureza os mecanismos da troca no tempo são também de dois tipos: ou o benefício é antecipado no tempo e os custos chegam depois, ou os custos vêm antes dos benefícios.
Viver agora e pagar depois ou pagar agora e viver depois? A questão é saber o que desejamos e como dar consistência no tempo aos nossos desejos.
De um lado está a lógica: o que queremos precisa respeitar as regras do que é possível. Mas do outro está o sonho. Porque o futuro também obedece à ousadia do nosso querer.



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