quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Cigarra, com certeza


"Agora não vou mais mudar, minha procura por si só já era o que eu queria achar" ("Encostar na tua"- Ana Carolina)

Resolvi fazer uma viagem. Sozinha. De avião. Para um lugar que eu não conheço. Para conhecer pessoas diferentes. Confesso que estou um pouco assustada. E não devia, já que tô com 31 anos e não precisaria estar me sentindo como uma adolescente que fuma escondido dos pais. (diga-se de passagem, ainda fumo escondida deles, só que mais por uma questão de respeito, já que eles sabem).

Tô querendo muito me desprender deles e talvez essa viagem simbolize um pouco essa busca pelo desprendimento. Vou fazer essa viagem pra Fortaleza com a cara e a coragem, mesmo. Financeiramente vai ser pesado e pode ser que com isso eu passe o ano de 2008 inteiro tentando sair do vermelho. Ironicamente, aí é que não vou poder me desprender deles mesmo, já que vou estar com a conta no vermelho. Mas... é um risco que quero correr, e preciso correr.

Nunca fiz nada por impulso. Sempre pensei em tudo, planejei tudo. Essa atitude vai contra anos de personalidade prudente, planejadora; por isso me sinto um pouco como se estivesse fazendo alguma coisa errada, fora da lei. É uma sensação ao mesmo tempo assustadora e fascinante. Nesse momento, com toda a certeza, sou cigarra...

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O valor do amanhã

Eu já havia feito o comentário sobre cigarras e formigas no capítulo de estréia da série "O valor do amanhã", que está sendo exibido pelo fantástico desde o dia 12 de agosto. O segundo capítulo menciona a fábula. O que é melhor: viver o presente arriscando o futuro, ou preservar-se no presente para obter recompensas no futuro? Esse episódio mostra que isso depende da situação que se está vivendo no momento da escolha. Há situações em que é melhor viver simplesmente o presente, por uma questão de sobrevivência; ou viver o presente, por uma questão de oportunidades que vêm e que podem não voltar mais. Ou seja, nem sempre trabalhar hoje para colher os frutos no futuro é a melhor escolha.
Cigarras e formigas

Você é uma formiga que vive pro trabalho ou uma cigarra que vive a cantar? Está preocupado em curtir o presente ou em preparar o futuro? É hora de conhecer o valor do amanhã!
Viver é fazer escolhas. Ninguém escapa. Trabalhar ou cantar? Estudar ou ir à praia? Isso agora ou aquilo depois?
Os apelos do presente e os apelos do futuro moram na nossa mente e estão a todo momento medindo forças.
A natureza parece não ter escrúpulo. Um animal vai fazer tudo o que puder para saciar sua fome, sede ou atração sexual. E quanto antes, melhor. Ele vive o presente. O aqui-e-agora domina os seus sentidos.
O ser humano, ao contrário, adquiriu a arte de se distanciar. Ele guarda na memória as experiências que já viveu e imagina o futuro.
Se quiser algo que não existe, pode inventar. Se tiver medo, pode se precaver. Se tiver esperanças, pode arriscar e apostar. Ponderar, calcular, comparar e eleger um amanhã é para os humanos.
Qualquer que seja a idade, uma coisa é certa: todos nós temos um passado e todos temos um futuro a zelar. O homem é o único animal que é refém do tempo. E é justamente essa percepção do tempo que torna certas escolhas tão difíceis.
A letra da música “A vizinha do lado” diz:
A vizinha quando passaCom seu vestido grenáTodo mundodiz que é boaMas como a vizinha não háEla mexeco'as cadeiras pra cá.Ela mexe co'as cadeiraspra lá.Ele mexe com o juízoDo homem que vaitrabalhar
Se você for atrás da vizinha e se tudo der certo, você poderá viver um bom momento... Mas e se você passar a vida inteira sem se permitir um momento de entrega?
Todas as escolhas envolvem comparações entre valores presentes e futuros e todas têm conseqüências.
“Às vezes você faz uma escolha que você pensa que é boa, mas o adversário está te cercando e fez uma escolha muito melhor do que a sua. Você pensa que está numa boa e, quando você vê, acaba o jogo. Na vida nós nunca podemos saber o que pode acontecer até amanhã ou até hoje mesmo. No jogo de dama, é a mesma coisa”, comenta o aposentado Ivan Guimarães.
Qual é o preço da impaciência? E qual o prêmio da espera? São os juros. Estamos acostumados a pensar em juros só quando compramos em crediário. Mas na verdade o fenômeno dos juros vai muito além disso. De fato, ele está presente todas as vezes que fazemos escolhas no tempo.
Os juros são o prêmio da espera para quem transfere valores do presente para o futuro. É o caso, por exemplo, da poupança. Deixo de gastar hoje para ter uma recompensa amanhã.
Mas quando valores do futuro são antecipados para o presente, os juros são o preço da impaciência. É o custo de quem não quer ou não pode esperar.
Foi o caso dramático de um jovem que, para acelerar a formação de músculos, recorreu ao uso de anabolizantes.
“Eu comecei tomando os mais simples, nacionais, mais baratos. E de repente passei a usar também determinadas drogas, remédios para diabéticos e para hipertensos, para animais. Tive queda de cabelo, alterações de pressão, tinha problemas na coluna, articulares, fiquei estéril aos 17 anos. Mas isso foi revertido naturalmente, graças a Deus”, conta Eduardo Conradt, hoje personal trainer.
Às vezes, devagar é mais veloz.
“Um bom lapidário vai serrar, depois vai colar a pedra em uma caneta e depois vai talhar, polir. Exige muita paciência e dedicação, e gostar do que faz”, explica o gemólogo Jozo Nishinura.
Mas nada é tudo, nem mesmo a paciência. Quando a incerteza é aguda, o aqui-e-agora é senhor da situação. Diante da fome e da dor, por exemplo, não há espera possível. O presente dá as cartas.
“É a fome, a seca... O castigo é muito e a gente acaba não pensando no amanhã, no futuro. Quando eu acordava de manhã e pensava: ‘Hoje, mais um dia, e não tem o que comer’. Saía sem destino dentro do mato, para procurar o que comer. O que achasse a gente comia. A cachorra matava o preá e trazia para casa para dar para os filhotes. Tomávamos o preá da boca da cachorra, para a gente comer. O aqui-e-agora era mais importante. No amanhã a gente nem pensava em viver. Por que viver se não há comida?”, diz o vendedor Paulo de Oliveira.
As escolhas no tempo dependem sempre do contexto em que são feitas e da avaliação que fazemos dos termos da troca envolvidos. Quando a sobrevivência está em jogo, o desafio é viver mais um dia.
“Se eu fiz, foi porque tive que comprar primeiramente a alimentação, a comida, porque não posso morrer de fome. Em segundo lugar, para ajudar minha família. Em terceiro, para me manter, andar arrumado”, justifica um jovem criminoso.
“No mundo do crime, eles correm risco o tempo inteiro. Correm risco não só no momento da ação, do assalto, do crime em si, mas o tempo todo, porque de um lado há os amigos, que são todos bandidos; do outro, a polícia, que também muitas vezes age com grande arbitrariedade. E depois eles já experimentaram o prazer de ter dinheiro. Um garoto desses às vezes em um assalto junta R$ 5 mil, R$ 10 mil. O pai, que trabalha 12, 13 horas por dia, nunca conseguiu juntar isso. Se você não tem essa visão do futuro, sobra o presente, mais nada”, observa o médico Dráuzio Varella.
Valores presentes e futuros estão sempre medindo forças em nossa mente. E as negociações entre eles se renovam a cada dia.
Na aventura que é a existência, apostas têm que ser feitas e proteger-se de todo risco sem jamais apostar é talvez a pior aposta possível. O que importa é saber até que ponto vale a pena antecipar ou retardar valores no tempo. As armadilhas e atalhos são muitos. Como evitá-los?

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Dramática da língua portuguesa em fase de mudança



As novas regras da língua portuguesa devem começar a ser implementadas em 2008. Mudanças incluem fim do trema e devem mudar entre 0,5% e 2% do vocabulário brasileiro. Veja abaixo quais são as mudanças.

HÍFEN
Não se usará mais:1. quando o segundo elemento começa com s ou r, devendo estas consoantes ser duplicadas, como em "antirreligioso", "antissemita", "contrarregra", "infrassom". Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r -ou seja, "hiper-", "inter-" e "super-"- como em "hiper-requintado", "inter-resistente" e "super-revista"2. quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente. Exemplos: "extraescolar", "aeroespacial", "autoestrada"
(As regras do hífen sempre foram confusas pra mim...)

TREMA´Deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus derivados
(Eu acho que o trema já não existe há muito tempo. Lembro de uma aluna minha da oitava série perguntando o que eram aqueles dois pinguinhos em cima do "u" na palavra lingüiça. Ops, linguiça.)

ACENTO DIFERENCIAL Não se usará mais para diferenciar:1. "pára" (flexão do verbo parar) de "para" (preposição)2. "péla" (flexão do verbo pelar) de "pela" (combinação da preposição com o artigo)3. "pólo" (substantivo) de "polo" (combinação antiga e popular de "por" e "lo")4. "pélo" (flexão do verbo pelar), "pêlo" (substantivo) e "pelo" (combinação da preposição com o artigo)5. "pêra" (substantivo - fruta), "péra" (substantivo arcaico - pedra) e "pera" (preposição arcaica)
(Eita! Vai ser difícil escrever " eu me pelo de medo" sem pôr (ou será 'por'?) o acento agudo na palavra pelo.)


ALFABETO Passará a ter 26 letras, ao incorporar as letras "k", "w" e "y"
(Sinceramente, fiquei surpresa com essa. Pra mim as três letras referidas já faziam parte do alfabeto há bastante tempo)



ACENTO CIRCUNFLEXO
Não se usará mais:1. nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler", "ver" e seus derivados. A grafia correta será "creem", "deem", "leem" e "veem"2. em palavras terminados em hiato "oo", como "enjôo" ou "vôo" -que se tornam "enjoo" e "voo"
(Outra regra que os meus alunos nem sabem que existe e que por isso nem faz diferença se mudou ou não.)

ACENTO AGUDO Não se usará mais:1. nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia"2. nas palavras paroxítonas, com "i" e "u" tônicos, quando precedidos de ditongo. Exemplos: "feiúra" e "baiúca" passam a ser grafadas "feiura" e "baiuca"3. nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com "u" tônico precedido de "g" ou "q" e seguido de "e" ou "i". Com isso, algumas poucas formas de verbos, como averigúe (averiguar), apazigúe (apaziguar) e argúem (arg(ü/u)ir), passam a ser grafadas averigue, apazigue, arguem
(Essa vai ser mais difícil pra se acostumar. Que tramoia!)


GRAFIA No português lusitano:1. desaparecerão o "c" e o "p" de palavras em que essas letras não são pronunciadas, como "acção", "acto", "adopção", "óptimo" -que se tornam "ação", "ato", "adoção" e "ótimo"2. será eliminado o "h" de palavras como "herva" e "húmido", que serão grafadas como no Brasil -"erva" e "úmido"
(Já não era sem tempo. Era o cúmulo do arcaísmo.)

fonte: folha online, 20/08/08

sábado, 18 de agosto de 2007

Loucura, loucura, loucura!!!


Mais um sábado à noite em casa... Tô até estranhando, mas nesse momento acho que é necessário esse tempo. Não sei até que ponto ficar sozinha comigo mesma seja algo bom, mas vou aproveitar o momento de introspecção para tentar pôr as idéias em ordem.

Meu trabalho não me chateia mais, acho que me acostumei ou me acomodei ao fato de que existem certas coisas que fogem mesmo do nosso controle e que por isso o estresse acaba sendo em vão. Antes de ser professora, sou um ser humano, pôxa!

Vejo alguns professores na escola em que trabalho ficando doentes por causa dos problemas da profissão. Esses problemas são incontáveis, como já postei aqui uma vez: de um lado, alunos que não rendem ou porque faltam muito ou porque não estão nem aí para aprender a matéria, ou as duas coisas; de outro, professores sendo cobrados para fazer com que esses alunos aprendam. O sistema de ensino, muito assistencialista, não ajuda.

Esses e outros problemas - que só quem entra na sala de aula todo dia é que conhece - contribuem para o número elevado de licenças médicas e o aumento do número de profissionais que procuram o setor de psiquiatria do famigerado Hospital do Servidor Público de São Paulo (lembro de ter lido em algum lugar que cerca de 70% dos servidores públicos que adentram os corredores desse setor são professores). Já ouvi casos bizarros: professor que na sala de espera, grita com funcionários e médicos como se estivesse falando com alunos, outro que vira para a parede do hospital e começa a fazer que está escrevendo na lousa, e por aí vai... Uma professora uma vez me disse que ficou tão nervosa por causa dos alunos, que chegando em casa, mandou a TV que estava ligada em volume alto calar a boca!

Bom, prevenir é melhor do que remediar. Eu sei que já tenho uma leve tendência ao surto, embora não pareça. Por isso, tomei uma vacina anti-estresse e coisas que antes me incomodavam horrores, hoje não incomodam mais.

Essa vacina anti-estresse consiste em fazer pequenas grandes coisas bem prazerosas nas horas vagas. No meu caso essas coisas são: ler um bom livro, sair pra conversar com bons amigos e tomar uma cerveja, sair pra comer fora uma vez ou outra, arranhar umas músicas no violão, conversar no msn, postar neste blog, fazer sessões de massoterapia ou, simplesmente, se dar o direito de abonar um dia pra ficar de bunda pra cima. Diga-se de passagem, costumo chamar o dia em que abono de "o dia do foda-se".

Aliás, como felizmente nem tudo é desvantagem na profissão, o fato de podermos abonar dez dias no ano ajuda bastante quando precisamos mesmo dar um tempo pra cabeça, e precisamos, viu? E se eu tenho esse direito, por que não vou aproveitá-lo? Todo trabalhador deveria ter esse direito também.

A verdade é que trabalho estressa e, não importa qual seja a sua profissão, DESENCANAR é preciso, por uma questão de higiene mental. Se for pra enlouquecer, que seja de prazer!

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A propósito...

Abaixo, uma versão diferente da fábula de La Fontaine. Essa tem muito mais a ver com os nossos dias:
"Era uma vez uma formiguinha e uma cigarra, muito amigas.Durante todo o outono a formiguinha trabalhou sem parar armazenando comida para o período de inverno, não aproveitou nada do sol, da brisa suave do fim da tardee nem do bate papo com os amigos ao final do expediente de trabalho tomando uma cerveja,seu nome era trabalho e seu sobrenome, sempre.
Enquanto isso a cigarra só queria saber de cantar nas rodas de amigos nos bares da cidade, não desperdiçou um minuto sequer, cantou durante todo o outono, dançou, aproveitou o sol, curtiu para valer sem se preocupar com o inverno que estava por vir.
Então, passados alguns dias, começou a esfriar, era o inverno que estava começando.A formiguinha exausta entrou para dentro de sua singela e aconchegante toca repleta de comida.Mas alguém chamava por seu nome do lado de fora da toca. Quando abriu a porta para ver quem era, ficou surpresa com o que viu,sua amiga cigarra dentro de uma Ferrari com um maravilhoso casaco de vison.
E a cigarra falou para a formiguinha:
- Olá amiga, vou passar o inverno em Paris, será que você poderia cuidar da minha toca para mim?
E a formiguinha respondeu:
- Claro, sem problema, mas o que lhe aconteceu que você vai para Paris e está com esta Ferrari?
Respondeu a cigarra:
- Imagine você que eu estava cantando em um bar na semana passada e um produtor gostou da minha voz e fechei um contrato de Seis meses para fazer Shows em Paris... A propósito, a amiga deseja algo de lá?
Respondeu a formiguinha:
- Desejo sim , se você encontrar um tal de La Fontaine por lá, mande ele tomar no CÚ!!!"
Moral da história:Aproveite sua vida, saiba dosar trabalho e lazer, pois Trabalho em demasia só traz benefício em fábulas do La Fontaine.

Cigarra ou formiga?


Eu sei que a Rede Globo é manipuladora, quase sempre distorce as notícias que transmite e bla bla bla. Mas, de vez em quando, pelo menos o show da vida dá uma dentro. As séries de reportagem que o Fantástico transmite até trazem informações que acrescentam em algo. Gostei muito da série "Ser ou não ser", por exemplo, em que uma filósofa falava dos grandes pensadores da história, associando as idéias deles às questões da nossa realidade atual.

No último domingo, o fantástico estreou uma nova série: "O valor do amanhã", apresentado por um economista que também é filósofo (tudo a ver, é como associar Letras a Contabilidade, por exemplo). Não lembro o nome dele agora. Mas a grande questão que se coloca de início é: o que é melhor: viver agora e pagar depois ou pagar agora e viver depois?

Pra ficar fácil, é só pensar na fábula da Cigarra e da Formiga, que todo mundo já conhece. A formiga é aquela que trabalha todo o verão estocando comida pra os apertos do inverno, a cigarra é aquela que passa o verão inteiro cantando, curtindo a vida e quando chega o inverno, faminta, vai bater na porta da formiga procurando abrigo e comida. A fábula traz a mensagem do trabalho árduo que tem como sonseqüencia o futuro confortável e da "vadiagem" que tem como conseqüência os apertos futuros.

A série do Fantástico vai mais ou menos pelo mesmo caminho, se dirigindo ao telespectador como se perguntasse: na vida, você é cigarra ou formiga?

Como tô com preguiça de ficar escrevendo, vou colocar o texto da reportagem na íntegra abaixo. quem quiser, pode acessar o site da globo.com e assistir à reportagem inteira.





Você é o tipo de pessoa que prefere viver dez anos a mil ou mil anos a dez? Gasta dinheiro sem pensar no dia de amanhã ou trata cada centavo com o maior cuidado? O valor do amanhã: uma série que vai nos ajudar a resolver a eterna disputa entre presente e futuro na vida da gente.
Conta a Bíblia que, ao criar o universo, Deus gerou um ser à sua imagem e semelhança, um ser diferente de todos os outros, capaz de decidir, por si próprio, o seu destino. Macho e fêmea ele os criou.
No paraíso, Adão e Eva viviam sem preocupações ou temores. Tudo era paz, harmonia, beleza, fartura. A vida era leve como o ar, suave como a água, aconchegante como a terra. Mas, ao dar a Adão e Eva o Jardim das Delícias, Deus deu-lhes também uma proibição: “Comereis de todas as árvores, mas da árvore do conhecimento não comereis”, ele disse.
Um dia, a serpente encontrou Eva a sós, no Paraíso. E ofereceu-lhe o fruto proibido. “Se comeres, seus olhos se abrirão para todo o bem, para todo mal”, ela disse.
Eva não resiste à tentação. Morde o fruto e o oferece a Adão. Como um raio, a fúria divina desaba sobre o primeiro casal. Expulsos do Paraíso, Adão e Eva se descobrem mortais. Ao invés dos Jardins das Delícias, o trabalho sem trégua, o procriar aflito, o tormento da culpa. E assim nasceu a maior conta de juros de que se tem registro na história da criação.
A trama da vida é um grande mistério. Por quantos anos vamos viver? E como será o amanhã? O que é melhor: desfrutar o momento ou cuidar do futuro? Isso agora ou aquilo depois?
Dilemas como esses aparecem o tempo todo. O que comer? Como cuidar da nossa saúde, do nosso dinheiro? Qual a melhor carreira a seguir...
De um lado, estão os nossos sonhos e desejos. De outro, as nossas possibilidades e limites.
Nesta série de dez programas, vamos falar desse jogo entre presente e futuro. Um jogo que recomeça todos os dias e que, mesmo sem perceber, a vida nos obriga todos os dias a jogar. Tudo o que está vivo ocupa um lugar no espaço. No espaço, é possível se deslocar. Difícil ou arriscado, é só uma questão de habilidade e de técnica.
Com o tempo é diferente. Os ponteiros do relógio giram imitando o movimento circular do sol. Mas o tempo não roda, ele avança. É sempre um dia depois do outro, um dia de cada vez.
À nossa frente, o que existe é o amanhã com as suas muitas possibilidades. Mas quem sabe ao certo o que vai ser o futuro?
A única coisa segura é que a vida é breve e tem um fim. Só não sabemos quando. Então, é viver mais um dia pelo tempo que for possível e cuidar do amanhã.
É aí que começam as negociações para fazer do tempo um aliado, e não um inimigo.
“A minha mãe é um pessoa muito exigente, cobra muito do estudo. Tem que estudar se não eu não vou ser alguém na vida”, diz a estudante Gabriela dos Santos.
“Com 14 anos eu já tinha registro. Então, tempo para brincar eu não tinha”, conta a porteira Gislene Souza.
“Tudo que ela não fez, ela quer que gente faça, porque eu acho que ela não teve oportunidade que nem a gente está tendo”, acredita Gabriela.
“Eu quero que ela levante de manhã cedo e ela já saiba o que ela tem que fazer, as obrigações dela”, comenta Gislene, mãe de Gabriela.
“Curso de espanhol, de alemão, de umas coisas que eu nem sei o que são”, diz Gabriela.
No fundo, existem duas possibilidades. Uma é a posição credora, em que o custo vem antes e o benefício depois. A mãe da Gabriela quer que ela assuma uma posição credora na vida. Sacrifícios agora, vida melhor depois.
Na posição devedora, o benefício é aqui e agora, mas o custo vem depois.
A Gabriela quer aproveitar a vida já, mas isto custará caro amanhã.
“a única coisa que ela tem vontade é de dançar e ouvir música”, diz Gislene.
“Acontece muito de eu estar estudante e ficar pensando que eu queria estar em um lugar ou eu outro que não fosse o que eu estou”, conta Gabriela.
Se eu resolvo parar de estudar porque quero me divertir; ou deixar de fumar porque quero viver mais anos. Se resolvo aprender chinês porque dizem que essa vai ser a língua do futuro, eu estou interferindo na seqüência dos acontecimentos na esperança de os meus projetos virem realidade.
Viver agora e pagar depois ou pagar agora e viver depois? O que escolher?
“Eu acho que ter aquele negócio controlado, se puder reservar um pouquinho é bom. A vida no campo é uma vida boa. Nunca fiz um empréstimo. Sempre na luta, a gente dá um jeitinho na roça, trabalha, vende o gado e dá um jeitinho”, diz o agricultor José Alvarenga.
As trocas do tempo acompanham nossa trajetória no mundo. Mas não apenas a nossa. Também os animais e, até mesmo as plantas, fazem suas trocas entre o aqui e agora e o futuro. Também eles procuram a melhor maneira de sobreviver e garantir a continuidade da espécie.
Da maria sem-vergonha ao jacarandá secular, da borboleta ao jabuti. Todos os seres vivos têm um ciclo de vida e um futuro a zelar. E todos eles desenvolvem mecanismos de realizar trocas no tempo.
Veja o que acontece, por exemplo, no reino vegetal. Numa floresta há sol e chuva durante todo o ano e a vegetação tem seu sustento garantido.
Mas e onde a natureza é menos generosa e os invernos são rigorosos, com grandes variações de calor, luz e chuvas?
“A primeira coisa que as árvores precisam saber é que o inverno está chegando. E elas percebem isso porque os dias vão ficando cada vez mais curtos. Quando isso ocorre, elas começam a tomar as medidas necessárias para atravessar o inverno. A principal medida delas é desativar as folhas. Elas vão nas folhas e retiram todos os nutrientes das folhas e estocam esses nutrientes em trocos. A retirada desses nutrientes fazem as folhas ficarem amarelas e no fim elas caem e morrem. Os nutrientes garantem que a árvore sobreviva a toda o inverno. Quando chega a primavera, as árvores remobilizam esses nutrientes e usam esses nutrientes, essa comida, essa poupança que eles fizeram durante o ano anterior, para lançar novas folhas”, explica o botânico Fernando Reinach.
Assim como acontece com cada um de nós, na natureza os mecanismos da troca no tempo são também de dois tipos: ou o benefício é antecipado no tempo e os custos chegam depois, ou os custos vêm antes dos benefícios.
Viver agora e pagar depois ou pagar agora e viver depois? A questão é saber o que desejamos e como dar consistência no tempo aos nossos desejos.
De um lado está a lógica: o que queremos precisa respeitar as regras do que é possível. Mas do outro está o sonho. Porque o futuro também obedece à ousadia do nosso querer.



quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Barco à deriva


"Tenho andado distraído, impaciente e indeciso, e ainda estou confuso só que agora é diferente, estou tão tranqüilo e tão contente; quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada para ninguém?" (Quase sem querer - Renato Russo com a Legião Urbana)

"Tanto faz não satisfaz o que preciso, além do mais quem busca nunca é indeciso; eu busquei quem sou, você pra mim mostrou que eu não sou sozinha nesse mundo" (Cuida de mim - O Teatro Mágico)

Um monte de sentimento misturado, massa amorfa, indefinido. Acho melhor continuar deixando o barco correr, com liberdade para escolher o próprio destino... sentimentos vem e vão, vão e vem, ondas ondeando ao sabor do vento; se elas farão o barco afundar ou o levarão para algum porto seguro, só o vento, ou melhor, o tempo, dirá...

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Pensamentos particulares e literários


Deixei o blog no vácuo durante alguns dias. Me faltou o que falar, ou talvez tivesse tanto a dizer que tenha travado... sei lá.

Voltei a trabalhar de novo, mais desencanada do que nunca. Acho que levei a sério demais quando decidi que a palavra de ordem no trabalho passaria a ser DESENCANAR. Desencanei de tal forma que acho que fiquei até meio relapsa.

Ao mesmo tempo, tô precisando arrumar um segundo emprego logo porque meu salário não tá dando pra pagar as minhas contas. Como estou pretendendo fazer uma viagem longa, vou precisar de grana, e desta vez viajo nem que tenha que vender cachorro quente nas horas vagas.

Cabeça tranqüila, apesar dos dias intensos que tenho vivido, talvez os mais intensos da minha vida. Coração aos pulos, numa instabilidade estável, já ouviu essa? Nem me pergunte o que eu quis dizer porque nem eu mesma vou saber explicar. Basta saber que paradoxos existem na vida, e como existem... talvez um dia, em breve, eu consiga escrever sem usar tantos enigmas e reticências... (...)


... ... ... ...



Acabei de ler "Memórias de minhas putas tristes", de Gabriel García Márquez, o primeiro dele que leio, apesar de ter feito curso de literatura hispano-americana na faculdade e ter cansado de ouvir falar no homem e no seu famoso livro "Cem anos de solidão". Na verdade, prefiro Julio Cortázar, com seus cronópios e famas. Mas García Márquez cultiva o estilo típico do fantástico hispano-americano, em que realidade e fantasia se confundem. É a história de um homem que descobre o amor pela primeira vez na vida aos noventa anos de idade, depois de ter vivido uma vida "amorosa" e profissional medíocre e dormido a vida inteira com prostitutas que encontrava uma vez ou outra na noite.

Para comemorar o seu aniversário de noventa anos, o protagonista resolve ligar para a dona de um bordel para que esta lhe encontre uma adolescente de no máximo quatorze anos, virgem. Na noite do primeiro encontro, ele dá de cara com a mocinha dormindo nua e sente nela talvez a nobreza e a inocência que nunca encontrou nas outras mulheres de sua vida. Ele passa a dormir quase todas as noites com ela, mas sem tocá-la e sem nunca acordá-la, cultivando por ela uma espécie de amor platônico, já que ele só tem contato com ela durante a noite, enquanto ela está dormindo, pois teme conhecê-la acordada e acabar com o encanto da bela adormecida. Meio maluco, meio romântico, ele leva presentes pra ela, passa a enfeitar o quarto em que os dois dormem, deixa recados no espelho com batom, lê histórias para ela, inclusive a da Bela Adormecida. O fato é que o sentimento que ele passa a sentir pela menina muda completamente a sua percepção de vida, isso aos noventa.

Não dá pra ficar descrevendo, só lendo para sentir. Seria bom reparar no estilo de escrita do autor, em que a narração se mistura ao discurso direto, dispensando o uso de travessões ou aspas para representar a fala das personagens. Talvez esse estilo contribua para o efeito de mistura entre sonho e realidade que acontece em alguns momentos. Tenho que fazer uma leitura mais detalhada para poder descobrir.

Estilo e técnica à parte, temos aí uma obra de um grande escritor, sem sombra de dúvidas. Uma história de amor e de vida.

Quero destacar a passagem em que o protagonista, já tomado pelo sentimento de amor profundo pela menina, compra uma bicicleta para lhe dar de presente de aniversário, dizendo que lhe inquietava o fato de ela ser "tão real a ponto de fazer aniversário". Ao comprar a bicicleta, ele não resiste e resolve dar uma volta nela, tomado de uma alegria intensa de viver. Na minha humilde opinião, essa passagem resume todo o estado de espírito, leve, espontâneo, atrevido e rejuvenescedor, que só um grande amor consegue trazer:


"Quando fui comprar a melhor bicicleta não consegui resistir à tentação de experimentá-la e dei algumas voltas a esmo na rampa da loja. Ao vendedor que me perguntou a minha idade respondi com graça da velhice: Vou fazer noventa e um. O empregado disse exatamente o que eu queria: Pois parece vinte a menos. Eu mesmo não entendia como havia conservado aquela prática do colégio, e me senti sufocado por um gozo radiante. Comecei a cantar. Primeiro para mim mesmo, em voz baixa, e depois a todo vapor, com ares de grande Caruso, pelo meio dos bazares atopetados e o tráfego demente do mercado público. As pessoas me olhavam, divertidas, e gritavam para mim, me incitavam a participar na Volta Colômbia em cadeira de rodas. Eu lhes fazia com a mão uma saudação de navegante feliz sem interromper a canção. Naquela semana, em homenagem a dezembro, escrevi outra crônica atrevida: "Como ser feliz aos noventa anos em uma bicicleta".
(García Márquez, Gabriel. Memórias de minhas putas tristes, 17a. ed. Tradução de Eric Nepumoceno. Rio de Janeiro : Record, 2007, pg. 81)