sábado, 19 de abril de 2008

O VERDADEIRO SENTIDO DA AMIZADE - PARTE 2


Continuando...


Arléa. Curiosamente, ela não vai entrar aqui como aquele exemplo de amiga. Se a cito aqui é só porque ela fazia parte do grupo das cinco amigas daquela época. Meus laços de amizade com ela sempre foram frouxos, se é que realmente existiram de fato.Mas, seja por ironia ou não, até hoje mantemos contato. Não pela relação de amizade, mas com toda a certeza pela relação de interesse. Eu tenho uma coisa que a ela interessa. E por isso ela me procura. Hoje ela se aproxima de mim pelo mesmo motivo que se aproximava na época em que éramos estudantes do segundo e terceiro anos do magistério: porque precisa de mim para resolver algo que ela não consegue resolver por capacidade própria.


Posso dizer que a menciono aqui porque ela seria o exemplo de como uma relação de amizade não deve ser construída. Me lembro que quando a gente ia fazer trabalho em grupo na sala, enquanto eu, a Bete e a Mônica nos matávamos, as duas (Arléa e Edna, que infelizmente, foi influenciada pela primeira) conversavam e não faziam nada. Claro que na hora de entregar o trabalho, o nome das duas tinha que aparecer na capa. Elas simplesmente se encostavam na gente.


Não sou amiga da Arléa. Acho que nunca cheguei a ser. Instintivamente, talvez o que chamam de intuição me dizia que ela não era de total confiança. Definitivamente, não era alguém a quem se pudesse confidencir o seu maior segredo. Por isso, sempre procurei manter uma distância segura de sua pessoa. Esse distanciamento foi bom no sentido de que me colocou numa posição neutra em relação a ela e me afastou dos conflitos que resultaram no rompimento da amizade entre ela e os outros membros do grupo, mais tarde.


A Bete. Minha relação de amizade com ela beirava o exagero. Não tinha nada que ela fizesse que eu não estivesse junto. E a recíproca era verdadeira. Ela foi e acho que continua sendo a melhor amiga que tenho na vida. Era a mais nova de nós. Até brincávamos dizendo que no nosso grupo tudo era o contrário: a mais velha, a Arléa, era a mais destrambelhada e a mais nova, a Bete, a mais ajuizada. Ela era o nosso ponto de equilíbrio, o nosso porto seguro. Acho que ainda hoje é.


Por isso, ela se tornou a líder natural do grupo. Carismática, extrovertida, divertida, criativa. A minha admiração por ela sempre foi extremamente profunda. Hoje sei que o que sentia por ela ia além da admiração, mas isso não vem ao caso aqui.


Nesses anos todos de amizade, jamais vi a Bete de mau humor. Já a vi nervosa, furiosa. Mas nunca de mau humor. Se querem ver um exemplo de lealdade, respeito, sinceridade, compreensão, solidariedade, ela é o exemplo.

Me lembro dela usando coturno e camiseta dos Ramones, com quinze pra dezesseis anos. Era roqueira praticante, só andava de preto pra cima e pra baixo. Apesar da aparência louca, era a pessoa mais responsável do grupo. Desde que a conheço que ela gerencia as lojas de calçado do pai dela. Sempre trabalhou desde criança. Só mudou o visual quando conheceu o homem que hoje é o seu marido. Nunca consegui me conformar direito com a casamento dela, aos dezoito anos. É mãe de duas meninas, uma de doze e outra de cinco. A mais velha é a cara dela. A mais nova tem o seu jeito. Uma Bete em miniatura.

Sabe aquele tipo de amizade que às vezes você nem precisa falar nada, basta olhar pro outro e a mensagem se transmite? Nós éramos assim. Amizade verdadeira. Dessas que a gente não tem vergonha nem de contar aquele nosso segredo mais íntimo. Os toques que ela me deu muitas vezes fizeram a diferença na minha vida. Mesmo recentemente.

Ser amiga da Bete sempre foi uma aventura. Até hoje ela enfia a gente numas encrenquinhas, como recentemente, quando ela burlou a segurança do hospital e mentiu para a recepção só pra fazer uma visitinha para a Edna e o filho dela recém-nascido fora do horário de visita. Ela era e continua sendo a rainha da lábia. E sempre foi especialista em transgredir normas. Longe de ter sido um mau exemplo por isso, ela me ensinou que nem sempre as coisas precisavam ser tão certinhas, tão arrumadinhas. De vez em quando, é preciso quebrar barreiras, transgredir, ser desobediente mesmo. Às vezes as coisas só acontecem quando a gente ousa.

Apesar disso, ela sempre me dizia: "é preciso curtir a vida, zoar, mas sempre conhecendo os seus limites" ou "Patricia, curta a vida com responsabilidade".


É, cada uma tomou o rumo de sua vida. Houve um afastamento natural por conta disso. Mas é como eu ja disse antes: pode demorar o tempo que for pra nos encontrarmos, mas quando nos encontramos é como se fosse igual àquela época. Com a diferença que os nossos encontros hoje vêm acompanhados de mamadeiras, brinquedos, manhas e choros de criança - os filhos das meninas.

Com cada uma dessas amigas aprendi algo diferente, mesmo com aquela que nunca foi lá tão amiga. Nós cinco formamos a síntese de como amigos verdadeiros devem agir uns com os outros e também, de como não devem agir. Nesses anos todos, nos abraçamos, discutimos, dissemos verdades ácidas, nos unimos nos maus e bom momentos, nos ajudamos, erramos também umas com as outras. O que nos manteve amigas apesar dos rumos diferentes que tomamos em nossas vidas? É difícil dizer, mas talvez o fato de a Arléa não fazer mais parte do grupo explique isso. Não há amizade que resista a falsidade e atitudes interesseiras.

Portanto, poderíamos dizer que o verdadeiro sentido da amizade reside na sinceridade e na capacidade de ajudar sem esperar algo em troca? Sim, talvez. Só que mais do que isso, grandes amizades resistem ao tempo e à distância porque amigos verdadeiros permitem que possamos ser verdadeiros com eles, em todos os sentidos, sem que sejamos mal interpretados por isso.

Um comentário:

Hérika disse...

Adorei as palavras.Verdadeiras amizades estão muito raras nos dias ayuais, isso é pq muit gente esquece mesmo de que a generosidade, respeito e a sinceridade são pontinhos essenciais pras coisas funcionarem entre duas pessoas que se gostam.Beijão