quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Comentários sobre o post anterior...

Bom, acho que agora consegui formar alguma opinião a respeito do texto do post anterior, o artigo escrito por Stephen Kanits.
Realmente são poucas as pessoas que conseguem ganhar a vida fazendo o que se gosta. Essa semana vi uma reportagem em algum noticiário esportivo sobre o aniversário de 50 anos do jogador Oscar, o maior cestinha da história do basquete. Em um determinado momento da reportagem, ele disse: "Eu não acredito, me pagaram pra jogar basquete!" Ele é privilegiado: foi muito bem pago pra fazer o que amava e fazia bem.
Aliás, diante do artigo de Kanits e do depoimento de Oscar, me veio em mente mais um desses dilemas "tostines" da vida: Oscar fazia bem porque amava a profissão ou amava a profissão porque fazia bem?
Se formos aceitar o ponto de vista do autor do artigo, ficaremos com a segunda opção. Não discordo dele: já que precisamos mesmo fazer uma coisa, por mais chata que seja, que a façamos bem feita. Mas aí me vem outra dúvida: e quando o "fazer bem feito" não depende só e exclusivamente de você?
Falo por mim. Para poder exercer a minha profissão de uma maneira muito bem feita, não dependo só de mim. Dependo da burocracia do sistema educacional de ensino, extremamente desorganizado; e dependo também da colaboração de alunos que muitas vezes não estão nem um pouco interessados em aprender.
Iniciei as minhas aulas a semana passada, comecei a me preparar, conversar com os alunos sobre as aulas, me organizar pra poder trabalhar e, na segunda-feira descobri que três das cinco turmas que eu havia escolhido na atribuição tinham sido escolhidas por um professor titular. Os titulares estão acima dos adjuntos na pirâmide da carreira educacional do município de São Paulo. Eu sou adjunto. Resultado: perdi minhas aulas.
As aulas iniciaram na rede municipal há quase quinze dias, e o quadro de professores nas escolas ainda não está completo, e sofrendo alta rotatividade antes mesmo de o ano letivo esquentar as turbinas. Bagunça total. Essa situação faz com que nós, professores adjuntos, nunca estejamos seguros, porque mesmo que eu escolha as aulas, sempre existirá o risco de algum titular que esteja assumindo o cargo escolhê-las.
Iniciei o ano dizendo que uma das minhas promessas para 2008 seria o de procurar me dedicar mais ao trabalho e, conseqüentemente, aprender a gostar do que faço. Mas levei um balde de água gelada logo no início. Então, fazer bem feito o meu trabalho não depende só de mim.
Sem contar que desde que assumi o cargo de adjunto, enfrento situações-limite complicadas dentro da sala. Já fui agredida verbalmente várias vezes por alunos, ignorada enquanto falava na sala de aula, isso quando não riam da minha cara quando eu falava da importância da escola ou dava bronca por causa da falta de respeito deles comigo e com os próprios colegas; já tive o meu carro riscado; já chorei muitas vezes por me sentir impotente diante da maldita burocracia do sistema educacional e diante da agressividade dos alunos com os quais trabalho ou tento trabalhar. Portanto, mais uma vez enfatizo, fazer o meu trabalho bem feito não depende só de mim, depende de outros também.
Acredito até que realmente é possível aprender a gostar do que se faz por conseqüência de se fazer o traballho de forma muito bem feita, mas a mesma dúvida permanece: essa tese vale quando não se depende só de si mesmo pra fazer o trabalho bem feito?
Só mais um comentário sobre um trecho do texto que me chamou a atenção:
"Empresas, hospitais, entidades beneficentes estão aí para fazer o que é preciso ser feito, aos sábados, domingos e feriados."
Eu diria ao senhor Kanits que hoje em dia a coisa mais difícil que há nas escolas públicas é fazer o que é preciso ser feito. Já faz algum tempo que a instituição escolar deixou de ter uma identidade definida. Somos educadores ou assistencialistas? Estamos lá para distribuir leite, material e unifome ou para ensinar a ler e escrever? Não sabemos mais o que é preciso ser feito.
Continua...

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