Era pra eu ter postado sobre isso há algum tempo, mas a falta de tempo acabou sendo minha adversária. Então aproveito o momento de folga para, de maneira meio tardia eu confesso, comentar uma reportagem que saiu na edição de 20 de agosto de 2008 na Revista Veja - "Você sabe o que estão ensinando a ele?".
O assunto: a qualidade de ensino no Brasil. A revista encomendou uma pesquisa que comprovou que 92% dos pais de estudantes de escolas particulares acreditam que seus filhos tem uma bom ensino por parte dos professores. O índice de satisfação entre pais de alunos de escolas públicas é de 63%.
A pesquisa também demonstrou que 90% dos professores tanto de escolas particulares quanto de públicas se consideram muito bem preparados para dar aula. Até aí tudo bem.
A revista afirmou que esses dados mascaram a verdadeira realidade, a de que o ensino brasileiro é péssimo. A reportagem até menciona números do Inep/MEC comprovando essa realidade: 22% dos professores do ensino básico não tem diploma universitário; o Brasil está em quinquagésimo segundo lugar em ciências e em quinquagésimo terceiro em matemática, em uma lista de 57 países; 60% dos estudantes terminam a oitava série sem saber interpretar textos simples ou efetuar operações básicas de matemática; e por aí vai...
Até aí nada de novidade. A mídia até tem dado maior destaque ao fato de que realmente o ensino brasileiro anda mal das pernas. E isso quem tá dentro do caldeirão da sala de aula todos os dias já sabe há muito tempo.
Mas aí vem a parte que começou a me incomodar. Muito bem, se os EUA está passando por aquela crise financeira lá, a culpa é de quem? Adivinha! Se um carinha imaturo que não sabe aceitar um pé na bunda resolve manter a ex-namorada como refém por 50 horas para convencê-la a voltar pra ele, a culpa é de quem? Dos professores, claro!
Agora é a vez da revista Veja dar a sua contribuição e engrossar o cordão daqueles que acham que a culpa da má qualidade da educação está nos professores. O título "prontos para o século XIX" já dá uma idéia do que virá. A reportagem acusa os professores de utilizarem "ideologias esquerdistas retrógradas " com o intuito de doutrinar os alunos sob a "justificativa de incentivar a cidadania".
Nas palavras da reportagem, os professores idolatram Lenin, Che Guevara, Karl Marx, autores e personalidades que foram modernos em sua época, em detrimento de ensinar o que seria necessário para enfrentar uma sociedade atual cuja "empregabilidade e o sucesso na vida profissional dependem cada vez mais do desempenho técnico, do rigor intelectual, da atualização do pensamento e do conhecimento".
Na visão da revista, o ensino por parte dos professores deveria ser imparcial, e com o fim de fazer com que os estudantes estivessem preparados para enfrentar a realidade mencionada acima.
A revista critica o socialismo pregado pelos educadores, socialismo que considera destruído, expõe o nome de professores, atitude extremamente agressiva, quando menciona, por exemplo, o caso de um que doutrinou os alunos a condenarem a máquina por ser ela responsável pelo desemprego.
Muito bem, os professores podem estar doutrinando os alunos a seguirem um Socialismo que já demonstrou ser decadente, eles podem até estar "pecando" pela falta de imparcialidade em sala de aula, mas eu pergunto: cadê a imparcialidade dessa revista? Quando li a reportagem, foi essa a primeira pergunta que me ficou no ar. Se os professores apresentam uma tendência à doutrinação esquerdista, pra mim ficou mais do que claro que a Revista Veja confirma a sua tendência à doutrinação direitista.
Não se pode esquecer do seguinte: assim como o Socialismo como sistema político ruiu, nada garante que com o decorrer dos anos o mesmo não ocorrerá com o capitalismo vigente, esse capitalismo invencível que a Revista Veja coloca num pedestal acima do céu e da terra.
Outra pergunta me ficou na cabeça: será que realmente é possível existir imparcialidade, seja na sala de aula, seja no meio jornalístico, ou seja onde for? É possível manter-se numa posição neutra diante dos fatos da vida? Quem ler essa reportagem vai ter a certeza de que não é possível.
Outra coisa: se a revista queria dar destaque à má qualidade do ensino atual, porque não abordou os problemas de infraestrutura das escolas públicas, a falta de condições de trabalho adequadas para os professores, o fato de os professores terem que cumprir jornadas triplas diariamente para poder ganhar um salário mais digno e por isso não terem tempo suficiente para estudarem e se tualizarem, e até se aprofundarem mais em Marx, Lenin e outros.
Por que a revista não destacou que uma das responsáveis diretas pelo fato de que alunos chegam à oitava série sem saber interpretar textos simples e efetuar operações básicas de matemática está na política educacional (direitista, diga-se de passagem) que defende a aprovação automática e a progressão continuada em estados como os de São Paulo? Ah, esqueci! Como a revista é elitista, só deu destaque para a péssima qualidade das escolas privadas e particulares. Os problemas que eu mencionei acima são tipicamente de escolas públicas. Coisa de pobre, né.
PS.: A revista se refere a Paulo Freire, uma das personalidades de esquerda idolatradas pelos educadores, como "autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização". Se vocês, da revista Veja, afirmam que os professores em sala de aula amam e falam de Lenin, Karl Marx e outros sem nunca ter lido nem estudado com profundidade nenhum deles, eu peço a quem escreveu essa pérola que leia um pouco mais das obras de Paulo Freire para poder descobrir no que se baseou o chamado método Paulo Freire. O método Paulo Freire na verdade não foi só um método e sim uma filosofia de trabalho, ou como ele chamou, Teoria do Conhecimento, que visou alfabetizar trabalhadores rurais com base na realidade vivida por eles, a partir do diálogo entre o educador e o estudante, numa relação de troca de conhecimento.
O trabalho iniciado pelo Educador Paulo Freire em Angicos, no interior do Rio Grande do Norte, em 62, foi interrompido pelo golpe militar de 64. Ele teve de se exilar para não ser preso. E por que? Porque defendia o uso do pensamento crítico na aprendizagem. Acredito que antes de ser socialista, Paulo Freire era um defensor de que se aprendesse a pensar por si mesmo para se ter a capacidade de transformar a realidade em volta. Perigoso demais para uma minoria que quer continuar defendendo a educação somente para a qualificação profissional que o mercado de trabalho exige e exigirá até quando o capitalismo existir, sabe-se lá até quando.